Nota de Repúdio: Ao uso de software de Tradução Automática no V Congresso Nacional Multidisciplinar de Doenças Raras e Anomalias Congênitas
A Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de Sinais, abreviadamente Febrapils, representante da categoria dos profissionais tradutores, intérpretes e guias-intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) tomou ciência que o Congresso Nacional Multidisciplinar de Doenças Raras e Anomalias Congênitas (Conamdracon), em sua 5ª edição, está sendo realizado nos dias 21, 22 e 23 de maio de 2025, na Estação Ciências, cidade de João Pessoa, Paraíba. Suas inscrições foram gratuitas e o evento é presencial e conta com transmissão online, promovendo maior acesso aos interessados, sendo eles, profissionais da saúde, pesquisadores, estudantes, gestores públicos, representantes de associações de pacientes, entre outros possíveis perfis. Sua organização é realizada pelo Centro de Referência Multiprofissional em Doenças Raras (CRMDR), administrado pela Prefeitura de João Pessoa e pela Associação Paraibana de Doenças Raras, uma Organização da Sociedade Civil que desde 2021
idealiza o evento.
Na programação podemos encontrar palestras, apresentação de trabalhos científicos, minicursos e rodas de conversa abordando diferentes áreas de conhecimento como a genética médica, neurologia, cuidados paliativos e a reabilitação, entre outras. Em seu site o evento diz ser como um importante catalisador na discussão sobre acessibilidade e inclusão, entre as principais iniciativas destacam-se as pesquisas voltadas especificamente para a promoção da acessibilidade e da inclusão. Na data de 22 de maio notou-se, pela Comunidade Surda, que a transmissão do evento no canal do Youtube do Conamdracon estava sendo realizado com uma janela interpretação em Libras, proposta que seria adequada às iniciativas de acessibilidade e inclusão, uma vez que, pessoas surdas podem ter múltiplas deficiências, doenças raras e anomalias congênitas, ou trabalhar em áreas afins e ter a necessidade de acessar conhecimento para melhoria da prática laboral. Peculiar informação esta, visto que a interpretação não trata-se de um profissional capacitado para a função, mas de um software de tradução automática que simula a interpretação através de um personagem digital, um avatar.
A Febrapils vem, por meio desta nota de repúdio, ressaltar que essa prática, além de levantar questões éticas importantes, não tem respaldo na legislação e compromete a qualidade, a acessibilidade de fato e os direitos linguísticos da Comunidade Surda. Trata-se de uma escolha que enfraquece a luta histórica da categoria por reconhecimento, valorização profissional e garantia de serviços adequados, desconsiderando o papel insubstituível do trabalho humano nos processos de mediação linguística, tão ímpar para a temática deste evento. A presença de profissionais humanos continua sendo essencial nos processos de tradução e interpretação, já que envolvem elementos que a tecnologia, por mais avançada que seja, ainda não consegue reproduzir com a mesma sensibilidade e precisão.
Destacamos que a atuação do tradutor, intérprete ou guia-intérprete de Libras exige preparo técnico rigoroso e constante atualização. A qualidade da interpretação está diretamente relacionada ao domínio da terminologia adequada, ao conhecimento prévio sobre o tema abordado, ao contato com os palestrantes e ao acesso antecipado aos materiais do evento para estudo e planejamento. Além disso, o trabalho em equipe entre intérpretes é essencial para garantir fluidez, precisão e respeito ao tempo de exposição, contribuindo para uma comunicação acessível, ética e de qualidade. Ignorar essas etapas é desvalorizar uma profissão construída com base na competência, responsabilidade e compromisso com os direitos linguísticos da Comunidade Surda.
Reforçamos que não somos contrários ao investimento em políticas públicas de tecnologia assistiva voltadas ao movimento humano. A Febrapils apoia o desenvolvimento de recursos tecnológicos que promovam igualdade de acesso e autonomia para todas as pessoas com deficiência. No entanto, para que essas tecnologias sejam efetivas, devem estar finalizadas, validadas e oferecer plenas condições de uso ao público-alvo.
Não consideramos adequado que protótipos inacabados ou mal implementados sejam utilizados como substitutos do trabalho de tradutores e intérpretes humanos, pois tal prática compromete diretamente a eficácia da comunicação, a segurança jurídica, e os direitos linguísticos da Comunidade Surda.
Como forma de ampliar o debate e a conscientização sobre o tema, a Febrapils já promoveu duas lives específicas sobre o uso da inteligência artificial no processo tradutório, sendo uma com foco no contexto nacional e outra no contexto internacional. Além disso, está disponível em nosso site uma Nota Técnica aprofundando os riscos, limitações e implicações legais dessa prática.
A Febrapils está aberta ao diálogo, à problematização e à construção conjunta de soluções que garantam a qualidade e a efetividade dos serviços de tradução e interpretação em Libras. Estamos disponíveis para orientar, esclarecer dúvidas e colaborar com os organizadores e demais envolvidos na busca por alternativas que respeitem a legislação, valorizem a categoria profissional e assegurem os direitos linguísticos da Comunidade Surda.
Expressamos nossa insatisfação com os fatos registrados.
Brasília, 23 de maio de 2025.
Lenildo Lima de Souza
Presidente da Febrapils
Confira o documento assinado